Publicado por: Dirceu Rabelo | 06/08/2010

Dominguinhos, o dom-joaquinense ermitão.

  

Personagem

A encruzilhada do 

Homem de Itambé 

Dominguinhos da Pedra vira filme de sucesso, deixa a vida de eremita, mas não está feliz enclausurado em asilo de Itabira 

JOSÉ SANA

Além do alheamento que sempre foi para ele natural, o eremita também se mostra um pouco triste. É que, por sugestão de uma família que o acolhia e a pedido da Prefeitura de Itambé do Mato Dentro, está, desde 28 de abril deste ano, vivendo no Lar de Ozanam, asilo de São Vicente de Paulo, em Itabira. Dominguinhos, que tem 78 anos, ocupa um dos quartos do asilo e se mostra cada vez mais agitado. Ao ver a reportagem, reconheceu as pessoas e permaneceu, insistentemente, pedindo a elas que o levassem a qualquer cidade pequena da região, de preferência Itambé do Mato Dentro, onde viveu durante 43 anos em uma toca de pedra. Na data da visita, uma turma de estudantes do segundo ano do Ensino Médio da Fundação Itabirana Difusora do Ensino (Fide) estavam, também, fazendo trabalho escolar e social naquele ambiente de idosos, onde dois dos alunos promoveram um show para os 68 moradores da casa filantrópica (43 mulheres e 25 homens). 

Antes de chegar ao Lar de Ozanam, Dominguinhos esteve duas vezes internado no Hospital Nossa Senhora das Dores — uma por causa de picada de escorpião e outra por suposta anemia — e, depois, ficou sob os cuidados de um casal em Itambé. 

história do Homem de Itambé ou da Caverna, ou ainda Dominguinhos da Pedra, que se tornou personagem de dezenas de reportagens, exibidas por emissoras de televisão em várias partes do mundo, agora vira filme. “A Alma do Osso”, documentário de Caos Guimarães, depois de fazer sucesso em São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Porto Alegre e Belo Horizonte, estreou em Brasília, em 15 de julho e em Itambé do Mato Dentro no dia 16. Enquanto isso, o personagem principal, Domingos Albino Ferreira, continua indiferente a tudo e a todos. 

  

A VIDA DO EREMITA 

No fim de 1995, DeFato iniciou uma peregrinação a uma toca de pedra situada a sete quilômetros de Itambé do Mato Dentro, dentro do município de São Sebastião do Rio Preto, terreno pertencente à Fazenda da Rocha, de propriedade de João Oscar Fernandes. O motivo de pelo menos três visitas frustradas era falar com um senhor, que tinha 64 anos, e havia 30 residia naquele local, dormindo no chão, comendo fubá com água e às vezes um queijo sujo de terra. Um dia do mês de fevereiro de 1996, a perseverança da reportagem foi premiada e, pela primeira vez, pôde publicar fotos e palavras ditas pelo ermitão. Imediatamente à publicação, a redação da revista passou a receber dezenas de telefonemas de várias partes do mundo, incluindo da BBC de Londres. Em pouco tempo, Domingos Albino, que fazia balaios de taquara para carvoeiros, depois trabalhou em ferro-velho quando era ainda moço, de rosto magro e cheio de barba, ficou conhecido no mundo todo. Ele nasceu em DOM JOAQUIM (MG), residiu em São Paulo (capital), Cuiabá (MT) e em algumas fazendas da região de Itambé, incluindo dezenas de tocas de pedra. O motivo que o fez tornar-se eremita: apaixonou-se por uma das filhas de um fazendeiro que era seu patrão. Enquanto morava em tocas de pedra, ele não tomava banho. “Água faz mal à saúde”, repete sempre, embora hoje, no Lar de Ozanam, banhe-se diariamente, mas “só do pescoço pra baixo”, revela.
Até nestes dias conturbados da vida, Dominguinhos ainda se lembra da época em que conseguiu a aposentadoria, que deve ao “Seu Lula”, não se cansa de repetir. Durante alguns anos — e não poucos — uma pessoa em Itambé do Mato Dentro recebia o seu dinheiro da aposentadoria, dava-lhe uma cesta básica simples — gordura, ovos, arroz, feijão, queijo e fubá — e ficava com o resto. Era um empréstimo, dizia ele, que até o momento não retornou ao seu dono, denuncia com simplicidade e sem esperança de receber até mesmo o capital, quanto menos os juros.
Ele também já foi assaltado: “Um homem, esse não conheço, levou o meu dinheiro todo e por causa disso cheguei a mudar de pedra”, reafirma.

NO LAR DE OZANAM 

Limpo, bem cuidado, razoavelmente vestido, com um cachecol no pescoço — assim estava Dominguinhos da Pedra no Lar de Ozanam, no sábado, 10 de julho. Obediente, fazia tudo o que lhe era solicitado: tocou violão, cantou, dançou, tomou iogurte. Estudantes da Fide, que visitavam o asilo naquele mesmo instante, se encantaram com ele, que sempre perguntava: “Você vai pra São Sebastião? Ou Santa Maria? Quem sabe vai pra Passabém e até mesmo para Itambé?” O que queria era simplesmente uma carona.

Depois as revelações sobre os costumes de Dominguinhos: “Ele não come nada mesmo”, informam os funcionários do asilo. E acrescentam: “Apenas leite e iogurte, nada para mastigar”. 

Cercado de carinho da enfermeira Silvana Mendes e outras funcionárias do Lar de Ozanam e pela atenção da coordenadora Geisa Silva Oliveira, ele dizia sempre: “As moças são boas e bonitas, mas eu não quero ficar aqui”

Quem o conhece bem, imagina que será difícil que obtenha liberdade total. Considerando a sua idade e a dependência das pessoas, inclusive para administrar o próprio dinheiro, que recebe mensalmente, imagina-se que Dominguinhos não terá condições de ser dono do próprio nariz. O que fazer, então, além do resultado da avaliação que virá? Fica aqui um caminho: quando Domingos Albino Ferreira dizia que emprestava o seu dinheiro a uma pessoa e esse dinheiro acumulado seria para construir a moradia própria (edições número 39, março de 1996, página 43 a 45; número 50, fevereiro de 1997, página 29; número 123, março de 2003, página 33 a 36,

DeFato procurou a promotora pública de Itabira, Nidiane Moraes Silvano Andrade. Ela contou que a iniciativa do recolhimento de Dominguinhos foi da Secretaria de Assistência Social da Prefeitura de Itambé do Mato Dentro e não do Ministério Público. Contudo, agora, informada de que ele não concorda com a internação, vai pedir que seja feita uma avaliação médica e um estudo psicossocial para verificar se ele tem capacidade de gerir a si mesmo.DeFato), deixava claro que investia toda a sua fé na construção de sua casa.  

PALAVRAS DO FALADOR DOMINGUINHOS:

 

Domingos Albino Ferreira, analfabeto, solteiro, quase octogenário, é um falador inveterado. Como que para não ser questionado em alguma coisa que faz, profere perguntas seguidas ao interlocutor ou frases curtas, isoladas, sem sequência. Eis algumas: 

— Eu sou espírita agora porque conversei com muita gente que já morreu. 

— Eu quero sair daqui e ir pra Itambé ou São Sebastião ou Santa Maria ou Passabém. 

— Na toca de pedra tem todo tipo de bicho, mas eu só tenho medo de cobra e de polícia. Eu já fui preso quatro vezes em Itabira e uma em Santa Maria porque maltratei as vacas da fazenda onde morava uma moça muito bonita”. 

— Eu já quis casar, mas agora não dou conta mais não, estou com as pernas bambas. 

— Eu já peguei muitas doenças, a diabete também, mas as doenças são a mesma coisa. Hoje eu estou muito fraco. 

— Eu não tenho medo de onça. Onça não pega ninguém. Eu tenho medo é de muita gente ruim que tem no mundo. 

— Eu não preciso de nada dos outros. Eu queria era construir a minha casa com o dinheiro da aposentadoria. 

 

  

  

  

Obs.) Nossos agradecimentos a revista “DeFato” da cidade de Itabira (MG), ao repórterJosé Sanae à

srta. Laís Campos, pela permissão de reprodução da matéria e foto. 

 


Respostas

  1. Dominguinhos da pedra, merecíamos uma exibição em praça pública deste documentário. Para quem indaga das profundezas da existência pessoal este conterraneo tem muito a nos dizer. Parabéns DIRCEU por mais esta pesquisa.

  2. Claudinho, caro amigo e chegado intelectual.
    Tinha certeza da sua contribuição, através de um comentário ou de uma opinião, sempre com base em estudos que nós não deixamos nunca de fazer. Somos aqui em Dom Joaquim, os caros dos livros e um assunto desses tem que ser divulgado e verei o que fazer para ter uma cópia do filme “A alma do osso”, para exibição aqui em Dom Joaquim e até para fazer parte do acervo do Museu de Dom joaquim. Obrigado por sua chegada, como sempre muito precisa e que nos agrada muito. Achegue-se sempre bom amigo e que a Espiritualidade Maior esteja sempre do seu lado, cobrindo-lhe de bênçãos.


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